Jura secreta 34
por que te amo
e amor não tem pele
nome ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos
mas não tenha medo
pode sangrar pode doer
e ferir fundo
mas é razão de estar no mundo
nem que seja por segundo
por um beijo mesmo breve
por que te amo
no sol no sal no mar na neve
Artur Gomes
poema do livro Juras Secretas
Litteralux – 2018
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1.
e sigo assim
tecendo tramas
das ramas
desse plantio
tardio
volto ao chão
onde jaz
meu umbigo
colho o pão
da mão do amigo
quanto mais
serenos
mais ando
querendo
menos
*
Odisséia Mínima
ao vencedor
as batalhas
aos campeões
a caminhada
aos fortes
mais nortes
aos frios
os navios
nunca se chega
ao fim no fim
depois de tudo
a névoa do nada
a lhe lamber
as feridas
aos que chegam
restam
as saídas
*
3.
tô por aqui
de rima perfumada
de prosa empilhada
de poema piada
até a tampa
de hai cai de lado
de soneto desmembrado
de slogan disfarçado
super satisfeito
de poeta que não lê
designer que não vê
de tanto eu,
antes de você.
*
4.
tem poeta de tudo quanto é jeito
tem os que esperam ônibus
tem os que compram ônibus
tem os que tomam ônibus
e tem este mal-traçado
que por falta de audácia
ou ocasião até
anda na linha
a pé
*
5.
virgília
dormi pound
sonhei paz
acordei enfim
pobre de mim
fosse assim
uma lasca
de leminski
já seria demais
*
6.
volta
não me taques na cara
todos teus tiques
não me tocas nem
trincas meu dique
com esses paquetes
quase a pique
por outra
se jurares
não me deixar
à mercê
saibas que tenho
outra ítaca
inteira
para você
*
7.
Verso
re
tomar
o dia
re
visitar
a utopia
re
formar
o nexo
re
fazer
o sexo
re
presar
a sangria
re
suscitar
a alegria
*
8.
p(l)anos
vislumbrando que viro velho
metade dos amigos mortos
descarto comidos conselhos
escolho caminhos tão tortos
mas nem afoito nem cansado
viro o mundo e volto ao berço
rompo essas ruas alentado
cumpro contratos pelo verso
talvez a hora de ir em frente
riscando a linha do exemplo
largando ao tempo o legado
singrando o mar do divergente
a folha como vela e templo
a pena feita quilha e arado
*
9
carpe o dia
firmarei futuro
quando mais maduro
lerei outro lado
quando ajuizado
mãos ao montepio
findo o desvario
lote ou terreno
quando mais sereno
ser esse estóico
tão exemplar
dedicado a arrancar
cada espinho
das rosas não plantadas
pelo caminho
*
10.
somana
mário era índio preto que tacapeou o tripé de tarsila deixando o aluno oswald brasil no pau nesse capão de capiau
desterrados no leblon e curtas camadas de copacabana desfiariam décadas para apoucar a fama de apenas uma sopesada semana
vila ventilava a taba que assobiava com o bento enquanto paliçava os entes entre uma e outra sardinha deglutida na palhoça gourmet
da janela do futuro o céu dos artistas enfileirava músicospintorespoetasescultores aguardando centenas de semanas para esticar as estacas da vida nessa pobre capoeira na esteira do pé de vento deste centrípeto movimento
e hoje, sem saída na rua da abolição, o rio deságua no bar piratininga, na esquina perdida da cidade de deus, ateus e racionais trazem o trombone para a intriga encerrada por emicida, fim da semana, a insurgência de um novo dia, o centro agora é a periferia
Elcio Fonseca
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https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/
*
ENTULHOS
tenho tudo guardado
grudados em meu sangue
a cômoda em verniz do meu pai
como seus sapatos lustrados
com cera poliflor
versos antigos, cachos da minha
infância
segredos que ninguém ousa saber
papéis rasurados, picados
com palavras insignificantes
que codificam minha mini existência
precária, confusa e heroica...
eu sou um jazigo em desordem
uma necrópole ambulante
flores murchas,
vermes rastejantes ousam rasgar meu
ventre
mas cuspo em suas bocas fétidas
e preservo minha autoria.
....
SEM TÍTULO
O destino levou o
lar da minha infância embora.
Crepúsculo de
pétalas de rosas
E o alvorecer
cinzento se aproxima
O jogo da amarelinha
Os passos largos do
meu pai
O perfume ordinário
da minha mãe
Vestiu seu vestido
de organza branco
foi fazer primeira
comunhão
mas a hóstia
sangrou na sua boca
temerosa escondeu-se
em labirintos
Depois, entre
ventanias e tempestades
calçou seus sapatos
esfarrapados
e vestiu seu vestido
de bolinhas amarelas
brincou com Sonia,
beijou Dona Celedonia
mas sempre morou na
casa dos fundos
vivendo no anonimato
morou no jardim da
luz
entre florzinhas na
mão com seu irmão
tirou um retrato de
sua infância
sua mãe, seu pai
acolheram seus
cachos
mas sempre catando
seus piolhos
Deu um pulo pra
outros tempos...
dançou a valsa com
príncipes
marejou seu
semblante de ilusões
visitou castelos
medievais
e namorou Machado de
Assis
Mas apaixonada por
Dostoievski
casou-se com ele
mas o casamento não
durou
ele se matou
desencantada ,
desmoronou
refugiou-se entre
muralhas medievais
mas os príncipes
nunca a deixaram em paz
adormeceu
profundamente no tempo
e só despertou
nas cavernas do
tempo
quando descobriu
amores da
ancestralidade
brincou em céus
invisíveis
se enamorou de
Nirvana
mas suas saias
rasgaram
e ficaram
presas nas rodas gigantes da vida
saiu ilesa
mas seu corpo ficou
emaranhado
nas feridas do tempo
onde as cicatrizes
perduram até hoje
sua poesia
inundada no sangue
avermelhou e reluziu
aqui jaz
o juízo final.
...
PONTO G
Uma vulva
risonha
e
folhas
rasuradas da bíblia voam para o firmamento
um céu
com rubor
molha
o útero carente
do
corpo sedento
da
criação exultante do divino
crianças
correm no parque
folhas
de outono se despedem
é o
calor molhado da genitália feminina
em
súplicas
quero
mais!
ventre
livre
algemas
roubadas
saindo
do velório
das
represálias
gemidos
de prazer
se
apossam de seres voláteis
libertos
em grunhidos
que
gritam
estou
na fase oral
quero
chupar!
....
INQUIETAÇÕES
vivo num país de lendas
ah! e esse esqueleto imundo
inútil, vazio
vem, venha ungir esse demiurgo
sou puro substrato
sofro de letargias
meus desequilíbrios são o luxo da minha existência
tenho que me destituir pra vadiar
meus dias são nublados como cascavel à espreita
quero trincar meus ossos e moê-los
me entrego a esse furor
adormeço nas cinzas do passado
meu corpo plana
na imundície dos vocábulos vagabundos,
como moribundo.
....
OS RUBORES DE MARIA
Sexo é miragem?
não
sexo é voragem
da última voltagem
curto circuito
cócegas na mão é tesão!?
Não
é alergia de Maria que trepa na contramão
....
QUANDO EU AMO
Quando eu amo
Desafino
Desalinho
Esqueço a minha Messalina
E bate as Marias do
infinito
Fico dengosa e
chorosa
Perco a linha e o
pendão da esperança
Fico Maria vai com
as outras
Sou fantoche das
ilusões
Incertezas batem à
minha porta
Me transmuto; a
sereia vira peixinho minúsculo à mercê dos tubarões.
.....
MOÇA DA OLIVETTI
asdfg asdfg asdfg
asdfg asdfg A
As tardes eram dela
daquela moça com
cabelos encaracolados que se preparava para mais uma aula
ASDFG ASDFG ASDFG
Caminhos incertos
altivez do caminho
escolhido era o afinco e o refinamento
dedos longos mãos
levantadas e o elogio dos professores
o estopim do momento
exímia, longilínea
ASDFG ASDFG ASDFG
sonhos e travessias
queria ser Doris Day
em comédias românticas
Ana Karenina na pele
de Vanessa Redgrave
suas leituras em seu
degredo deleitava-se com Dostoiévski comparando seu exílio ao dele pobre
pequena de serviços gerais ASDFG ASDFG ASDFG
em prisão serviçal
mais um dia de trabalho e o elogio do chefe acabou o expediente bater o cartão
ajeitava o cabelo
ASDFG ASDFG ASDFG
............................................................
LIMPIDEZ
A luz do dia reflete uma calmaria
O tapete transborda em beiras
poeiras
como feiras de restos escondidos
um silêncio ensurdecedor...
Bicicletas voadoras
e os ets voltaram...
A doçura do cotidiano se refaz
Numa atmosfera com turbantes e beduínos
É a flor de liz
É o gem? Gênese? Gênero?
Alimentos transgênicos
Pessoas trans
Vivemos na transitoriedade
Obcecados por definições
Ninguém é de ninguém
Amanhã seremos cinzas
.......
DECIFRA-ME
Sou feita de aço e
de plumas
Ora um voo no espaço
Ora um pé fincado na
lama
Metralhadoras e
estrelas
Compõem esse cenário
Nua me recomponho
Sou carne exposta
Meu sangue me
verticaliza
Meus bicos dos seios
vivem endurecidos
Como arestas de um
poliedro
Como esporas
que relincham
A raiva e o estrume
me apetecem
Pela sua crueza e
odores
Mato em mim o que me
repugna
Sou o meu avesso
Me apoio em anjos de
Botticelli
E na descompostura
de Marquês de Sade
E vislumbro sua
sabedoria;
Tudo que é excessivo
é bom
Cuspo em
preconceitos sifilíticos
em bocas fétidas
desses desgovernantes
dessa falsa
burguesia:
(delinquências
camufladas)
E de
suas etiquetas – vendem-se.
.....
CASA DE
TOLERÂNCIA – RUA DAS FLORES
Maria e Mercedes
Anjos com unhas pintadas
Um mundo de favores e redenção
canteiros de rosas e gardênias
Risos e gargalhadas
bebês com dentes afiados
peitos rosados
Sótão de favores
Ventres expostos
Corações em enxames de abelhas
Sentimentos submersos
marginais da purificação
nadam em águas imundas
um mundo de ardores e de perdição
seu corpo é uma oração.
Luiza Silva
Oliveira
Balbúrdia PoÉtica 10
Poesia Ali Na Mesa
Dia 12 julho – das 14 às 19h
Casa da Palavra – Praça do Carmo, 171
Santo André-SP
Curadoria: Artur Gomes, César Augusto de Carvalho, Julio Mendonça, Jurema Barreto e Silvia Helena Passareli
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Todo dia é dia D
santo de casa
não faz milagre
já me dizia Padre Olímpio
lá pelos idos de 1974
dentro da tipografia
depois aprendi com Torquato Neto
que todo dia é dia dela
todo dia é dia d
e então poesia é o que entrego
ao desafeto
com toda flor do bem querer
Artur Gomes
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Sarau Literário
Norte Fluminense
Jardim do Liceu
6 junho – 2025
TECIDOS SOBRE A PELE
Terra,
antes que alguém morra
escrevo prevendo a morte
arriscando a vida
antes que seja tarde
e que a língua
da minha boca
não cubra mais tua ferida
entre/aberto
em teus ofícios
é que meu peito de poeta
sangra ao corte das navalhas
e minha veia mais aberta
é mais um rio que se espalha
amada de muitos sonhos
e pouco sexo
deposito a minha boca no teu cio
e uma semente fértil
nos teus seios como um rio
o que me dói é ter-te
devorada por estranhos olhos
e deter impulsos por fidelidade
ó terra incestuosa
de prazer e gestos
não me prendo ao laço
dos teus comandantes
só me enterro à fundo
nos teus vagabundos
com um prazer de fera
e um punhal de amante
minha terra
é de senzalas tantas
enterra em ti
milhões de outras esperanças
soterra em teus grilhões
a voz que tenta – avança
plantada em ti
como canavial que a foice corta
mas cravado em ti
me ponho a luta
mesmo sabendo – o vão
estreito em cada porta
Moenda
usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
usina
mói o sangue
a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e
do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
: o saldo e o lucro
Poema do livro Suor & Cio – 1985
Gravado pelo autor no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia – 2002
e na antologia pessoal Pátria
A(r)mada 2022
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