Relatividade estética
Vemos
o plástico materializando-se
em kitsch flor inerte
Ouvimos
os trinados do sertão
berrados em gemidos dissonantes
Cheiramos
amadeirados odores marinhos
em nauseantes perfumes
Provamos
transgênicas essências colorizadas
em sabores artificialmente pasteurizados
A indústria da pseudocultura
tritura tudo ao pó
como simpático brinde
de um brilhante engano
***
Labirintos urbanos
O emaranhado de caminhos
projetam infinitas opções
Mas...
nem todas escolhíveis
nem todas alvissareiras
nem todas possíveis
nem todas certeiras
Lança-se ao tráfego
feito plasma na artéria
em pulsante êxtase
É mergulho inevitável
aos que habitam
o labirinto urbano
***
Não gosto do glacial
O mundo poderia ser
um Caribe ou um Nordeste
Terras de sonhos e de luz
de ilusão e de tesão
Do delírio da razão
Tudo fruto do calor
que agasalha, que assanha
que se espalha em façanhas
A alegria brota com a luz
cresce na temperatura e seduz
Um cenário
pra sempre viver
Já o frio...
O frio dói.
***
Termômetro social
Marquise de meia água
se faz em sala
No vão livre compartilhado
se põe a cozinha
Os baixos do abandonado viaduto
se oferece em quarto
A árvore frondosa se dá
em devassado banheiro
O banco duro da praça
em pétrea cama
E a dignidade humana
abaixo de zero.
***
Leituras
Nas curvas
de um bom discurso
nos perdemos
Discursos dopam
flertando à adicção
de eterna dependência
Podem ter pontos
único: final
múltiplos: reticências
Mas sempre embarcamos
nesse atraente
ziguezaguear alucinante
Não há como viver
sem a palavra
cativando nossas ilações
***
Anatomia
O cérebro celebrado
A hipófise hipotética
A laringe alaranjada
A tireoide tirana
A traqueia traqueada
O pulmão pulverizado
O brônquio bronqueado
O coração encouraçado
O estômago estonteante
O fígado fidalgal
A vesícula visada
O baço embaçado
O intestino instintivo
O apêndice apensado
A próstata prostrada
A glande glandular
O testículo testado
Causa mortis:
Pletora adjetival substantivada.
***
Plenilúnio
Vejam quem veio
nos visitar...
Redondamente linda,
refletindo as luzes
do universo
Eternamente suspensa
dando
sua beleza infinda
para quem quiser
alegremente
apreciar
Vejam
quem veio nos visitar...
Redondamente linda,
refletindo
as luzes do universo
Eternamente suspensa
dando sua beleza infinda
para quem quiser
alegremente apreciar
Vejam quem veio nos visitar...
Redondamente
linda, refletindo
as luzes do universo
Eternamente
suspensa
dando sua beleza
infinda para quem
quiser alegremente
apreciar
Franklin
Valverde
*
H O J E
dia de sorrir, sofrer, resistir, como sempre foi com os dias.
Hoje
só mais um na coleção.
Passo a limpo o que não entendo
o que não desce na garganta e fere o coração
o que me completa e atordoa, a tudo libero.
Hoje
onde tudo acontece e transborda.
Um acalanto para hoje.
*
M DE MEDO
para
Aílton Krenak
Está
guardado, aguardando, o livro de K que prometi
sobre
nossa travessia no deserto
para
quando nos encontrarmos novamente
e em
termos, sobrevivido,
será
seremos mais cuidadosos?
Cruzaremos
a linha dos estereótipos?
Nos
veremos livres na outra margem?
Medo
medo, que medo é esse?
Se por
cima tem o manto de um azul que afronta
amplidão
arredondada, sem pontas
se já
sabemos que a sombra e a dor passarão
ou não?
Que medo é?
Mee
Dooo.
*
LEVEZA
A poeira
dos dias baila
na
transparência da luz
e
desaparece por enquanto.
Na queda
deslize vertical
uma folha
esbarra na poeira dourada da tarde.
*
O
INSTANTE ME CAPTA
Estou sem
apoio sobre rodas
o sol e a
estrada testemunham o vazio
meus
perigos, os perigos do mundo.
Ousei
olhar a água, a lama, a claridade, o fundo
quis amar
a ausência sem sofrer
desejos
se localizando macios
percorrendo
caminhos
finalizando
em suspiros.
Estou em
perigo sobre nuvens
novamente
o vazio me mostra o pleno.
*
HISTÓRIA
CURTA
Nascemos
hoje e já nos enterram em covas apressadas
querem
parar nosso sangue antes que avermelhe
todas as
artérias
secar os
rios antes do amor dos peixes.
Sabemos
tão pouco e querem nos calar.
*
ENCONTROS
para
Claudio Willer
Marquei
encontro com Rimbaud, Piva, Elliot, Mário de Andrade
em
algumas esquinas do mundo próximo e distante
luzes
brancas me guiarão nas noites e becos, sombras e perfume de jasmim.
O medo me
paralisará nas ladeiras, mas seguirei sorrindo no escuro, guiada pelos olhos
dos gatos fiéis
até
enxergar o arco-íris.
Em leito
de folhas secas descansarei do cansaço da espera
pelo
encontro em que todos
brincam o
jogo do esconde, do onde, ande
esqueça.
*
|
Autora
de Mais Um Livro de Poemas (1970), Grãos-poemas de
lembrar a infância (1994, 2023), A Véspera do Grito e O
Jogo do ABC (2001), Pandemonias (2025). Nasceu em
Fortaleza-CE, em 1943. Bacharel em direito e jornalismo, repórter, redatora e
cronista no Correio Braziliense e Jornal de Brasília. Em S. Paulo, repórter no
Jornal do Bairro, Guaru News, assinou crônicas e entrevistas nas revistas
Planeta, Caros amigos, Bons Fluidos, Continuum (Itaú Cultural), D.O. Leitura
(Imesp, e também organizou perfis para col. Aplauso); assistente editorial na
ed. Ática; coordenou projetos Tietê Água Boa e Por Um
Rio, leituras do Tietê (Bibl. Munic. Alceu Amoroso Lima, 2013, e na
pandemia); realizou oficina sobre a poeta Eunice Arruda, bibl. Raul Bopp, 2024.
Participou do Canal do Poetariado e do sarau Gente de Palavra
*
choveu pedra em São Francisco do Itabapoana se de gelo ou granizo inda nem sei só depois da apuração da comissão de inquérito instaurada por alguns moradores da localidade do Macuco saberei.
Federico Baudelaire
cada qual com sua Natureza , pode ser garoa ou correnteza , é o tempo comandando a sua Fortaleza
Zhô Bertholini
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O Sol de César
poema de Salgado Maranhão
do livro em processo
"ARTE DE MATAR"
O Extraordinário, Magistral, Magnífico, poeta Salgado Maranhão, estará na 12ª Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes-RJ - dia 4 de junho ao lado de Pedro Luis - na mesa Entre A Poesia E A Música - das 18:30 às 19:30h na Arena das Ideias -
Imperdível
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O poeta enquanto coisa
o meu lugar não é aqui
o meu lugar não é ali
o meu lugar é lá
onde garrincha entorta
os laterais esquerdos
dibla até o goleiro
e debaixo da trave
não faz o gol
um desacerto
volta ao meio do campo
para re-começar o desconcerto
Artur Gomes
https://fulinaimagens.blogspot.com/
*
*
Poesia Ali Na Mesa
Balbúrdia PoÉtica
A resistência através da poesia
*
DIAMANTE
O amor seria fogo ou ar
em movimento, chama ao vento;
e no entanto é tão duro amar
este amor que o seu elemento
deve ser terra: diamante,
já que dura e fura e tortura
e fica tanto mais brilhante
quanto mais se atrita, e fulgura,
ao que parece, para sempre:
e às vezes volta a ser carvão
a rutilar incandescente
onde é mais funda a escuridão;
e volta indecente esplendor
e loucura e tesão e dor.
Antônio Cícero
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Balbúrdia PoÉtica
https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/
*
beijo mascado
Página em branco
Canção sem palavras
Suspiro
Um risco arrisca a palavra
A pena me falha no meio
Soluço
A palavra vale o poema
Segue a mão o que dita o coração
Arrepio
Poemas precisam de palavras
Alguns pedem silêncio
Tento
A vida passou hoje por aqui
Deixou gravada sua escrita
Marco
Faço poesia como vento
Dissipo ideias sobre seus cabelos
Desfaço
Queria saber escrever com seus lábios
Morder as palavras, sugar o sentido
Beijo
*
a pausa
a pausa contém
o que não se vê
em movimento
o que não tem hora
e lugar para acontecer
o efêmero
na pausa está o que
não está na ordem do dia
o extraordinário
a pausa salva o dia
*
día de los muertos
são eternas as dores,
a falta, as cores, as flores mortas
são presentes as perdas
as sendas, veredas e pedras
passadas sob meus passos
são permanentes as rugas, fissuras,
lacunas criadas no interior das velhas veias
saltadas da minha fronte
que ainda irrigam ridículas ideias
são felizes as lembranças do que fica
tatuado indelével na retina
nada se vai, nada mais termina:
meus mortos não morrem jamais
*
Close your eyes and listen
[ouvindo Piazzolla]
feche os olhos e ouça
passar na escuridão
as claras belezas da manhã
o mar em toda a amplidão
a atração no andar da moça
ouça
tudo o que se pode ver
e só a alma pode identificar
que a solidão pode captar
e o ouvido dar direção
mas ouça com atenção
cada palavra não dita por não ser precisa
sinta com precisão
toda dor esquecida por ser antiga
saboreie com emoção
qualquer pequeno prazer por ser único
feche os olhos e ouça
as formas e cores de cada sentido
veja o perfume macio dos lábios molhados
tateie a profundidade cortante do horizonte
deguste o céu azul e o sol sobre o caminho
agora abra os olhos e silencie
o calar tem muito ainda a dizer
Abel Coelho
*
POEMA CULPOSO
Desculpe, leitor,
se a minha poesia
provoca algum dolo
ou causa alguma dor.
Ela não teve essa intenção
(ela só quer lhe dar amor).
Se machucou, me releve.
O poeta colhe os frutos
e paga o preço do que
escreve.
*
SE EU MORRESSE AMANHÃ
(LIRA DOS 60 ANOS)
Se eu morresse amanhã, viriam ao menos
fechar meus olhos cinco das minhas irmãs.
Minha mãe de tristeza já não morreria
se eu morresse amanhã
ou se eu morresse em qualquer outro dia.
Se morresse amanhã eu sofreria
menos do que se morresse depois de amanhã.
Nunca tive glórias; sempre dei com a cara no muro.
E não há glórias por vir, nem hoje, nem amanhã.
Jogo pra cima uma moeda no meu quarto escuro:
cara pra morrer hoje, coroa pra amanhã;
o cigarro aceso revelará o meu futuro.
Não ficaria devendo nada, se amanhã eu morresse!
Fiz o que eu quis, e não o que queriam que eu tivesse feito.
Se eu morresse amanhã, chorar no meu leito viriam ao menos cinco das minhas irmãs.
Eu, se fosse elas, não choraria quando eu morresse.
E que ninguém chorasse sem verdade, como quando perdemos nossa mamã.
Mas essa dor que nunca foi embora
e que sempre acreditei que iria amanhã,
essa dor malsã finalmente morreria
se eu morresse amanhã.
*
CORPOGRAFIA
Na geografia do teu corpo
exploro planícies, recôncavos,
vales, rios e montes.
Na macia vegetação da tua pele
me banho de sol e de lua
e descubro incríveis
tesouros orvalhados
de água e de terra,
de árvore e de folha,
de fruto e de flor
constantemente renovados.
Nada relevo das tuas vertentes,
corpografia de lua e de sol ardente,
cachoeira de sombra e de água fresca
que corre, escorre e sacia,
deixando a tua grafia
na rústica terra do meu corpo.
Remisson Aniceto
*
O TEMPO JÁ ESTEVE AO NOSSO LADO
O tempo...
este moleque eterno,
extremamente arteiro,
olha fixamente nossos rostos e,
de repente,
dá sua risada
humilhante
de Rolling Stone.
Como se fosse gente,
e nós, já deixando de ser,
caminhássemos
para o definitivo
anoitecer.
*
AVENIDA
Descendo a Consolação,
sentido centro, sentindo a dor no coração
que bate tristonho por alguém que nunca mais irá ver.
Não há nada que o console
a não ser aquela música
de Elliott Smith,
esta balada do grande nada,
no fone, na vida, nas vias da cidade.
Até pensa em dar fim,
mas que fim, ô, mané!
Há tanto para viver
que nem sequer desconfia.
Tchau, mãe! Tchau, pai! Eu vou... viver?
Sim, viva!
Invente poesia,
grite longe a fobia
de estar neste mundo,
envolvido pelo desconhecido.
Num instante você tem 20, no próximo movimento, 30,
no piscar de olhos seguinte, 50.
Não há garantias, mas
talvez um não prometido prêmio surja,
talvez o deus-silêncio o responda.
O Buda improvável das calçadas ou o rato de Clarice.
Ou, quem sabe, o caos surja buzinando nos cruzamentos
gritando mais alto que o poema.
Palmas ao caos! Palmas ao caos!
Não se impressione com as buzinas,
porque uma buzina nada vale em um caminhão desgovernado
antes de chegar à Roosevelt.
Aí tudo haverá acabado,
a não ser pelas notícias nos telejornais.
Ainda assim, os gurus do Vale do Silício dizem que vale a pena
e os senhores de Wall Street, em seus manuais, não ousam dizer menos.
Então grite o bem e o mal,
o gozo e o desgosto,
o doce e o amargo.
A Consolação vazia
ou o trânsito intenso.
Grite toda vida, aqui tudo é barulho. Ou poesia.
*
A BIFURCAÇÃO
Quantas são as bifurcações que encontramos
no caminho?
Quais foram as escolhas que nos tornaram
o que nos tornamos?
Como seria se eu não a tivesse negado
tal carinho?
A mão se afastando, guardada enfim no bolso do jeans envelhecido.
Como seria eu ceder aos prazeres da carne
ou aos deveres da procriação?
Que filho teria nascido?
Menina ou menino, ou outro caminho?
Será que nos amaria ou fugiria de casa antes dos dezoito?
E se eu tivesse sido mais atrevido ou fosse mais comportado?
E se eu estivesse descansado ou me sentisse oprimido?
E se eu tivesse me espantado com a complexidade de tudo e da realidade fugisse?
Pedra, pó ou hóstia?
Cachaça, poesia ou prosa?
Guimarães ou Jorge Amado?
O triste fim de Policarpo Quaresma ou de Macabéa?
E se eu chorasse tanto, tanto por Baleia?
Se você me dissesse,
se eu enfim lhe abraçasse,
se não fosse o seu medo,
ou foi uma tremenda falta de caráter?
E se eu tivesse comprado outra roupa,
outro livro?
E se eu tivesse escolhido outro prato,
um sanduíche barato?
E se eu topasse o salário
e você escolhesse outro candidato?
E se eu nem ouvisse a proposta
ou me cansasse de esperar a resposta?
Se eu desistisse, se você tentasse,
ficaria mais tenso ou estaria à vontade?
Se fosse de uva e não de maçã?
Se não fosse igreja e, sim, bacanal?
Se eu lesse um poema novo neste sarau,
estaria eu
enfim pronto pro desapego final?
Para a última estrada e
última bifurcação encontrada?
Para cada decisão tomada?
Não tenho dúvidas: diria “não”
e continuaria a escrever, com vocês,
esta história.
Alessandro de Paula
*
Etecétara …
…
Definir poesia seria torcer-lhe o pescoço …
Versos são encantarias
Acontecem espedaçados
Aqui , aí, ali em “ um” tudo …
…nas virilhas e nas solas dos pés do inconsciente …coletivo … continuam futuros ancestrais …
Versos desaparecem ligeiros das mãos dos poetas
para reflorestar o coração das pessoas … também ardem na língua de incrédulos , êxtases …incorruptíveis ao algoritmo ainda … …convidam à vida inteira … num instante à deriva dos tutoriais …
A poesia guarda tradicionalmente apenas a medida do impossível ...
Emerge das desordens humanodivinas ...vívida …
guardiã das florestas de dentro…rocha … rio … rascunho de outras eras … semeadura …
Evoé aos versos livres ,
nos anais das revoluções ...
Nem todo corpo suportará o impacto , o êxtase ...
Coragem não resolve narrativa poética . É de contato , intimidade , anarquia
na fruição dos sentidos ...das utopias ... das rebeldias … do “absurdo “ legitimado nos olhos dos amantes … decisivo …
que se sustenta um poema … entre outros segredos … que os “ beatniks” sabiam … e George Harrison cantou …
Serpente ígnea ascendente ... assim a poesia se lança à frente das
minhas descrenças ... arriscada surpresa divina sem saudades … … doce e brutal correnteza …
De repente , eis -me aqui dissolvida em seu gingado .... dança de fogo … estrela guia … barro … beija flor …sangue … sol ..osso … desgosto … pó de mico …outra coisa … nua …concomitante à lua…
Roguemos à terra alguma valentia poética minha , sua , nossa alheia à domesticação ...fugidia de estrofes herméticas acostumadas a subserviência …
…
Rosnemos ao vento
Na fuça das métricas convenientes
Rimemos nada com nada
aventurados apenas
nesta
autodescoberta
fabulosa …
incessantemente …
ser …
Livres
Amorosos
Utópicos , que seja …
*
NOTÍCIAS:
Poeta fecha caminho ... leva a pessoa amada embora em
três dias , duas estrofes ululantes e uma rima ruim...
Um poeta foi visto comendo verso grelhado com salada
sozinho , mal acompanhado e apaixonado ...
PseudoPoeta “cagou e andou “ para o poema ...
Poeta devorou suas vísceras com pinga , no centro picadei-
ro , à deriva dos corvos ...
Um poeta foi flagrado com a esperança em riste , em praça
pública neste amanhã ...
Atenção ! atenção ! Um poeta está sendo acusado de curar
ferida alheia com três versos . A reportagem apurou que o “
milagre “ foi apelidado de “ Haicai “...
Poetas Pa -tá-ti Pá-tá -tá , Piti e Pi-ri-ri foram vistos foram
vistos reunidos na mesa de um bar para salvar Gotham
City... evoé
Poeta Maomé e poeta Montanha se unem contra a polariza-
ção e a favor da democracia perpétua
Pesquisa científica revela a existência de mais espécies de
poetas do que de pássaros selvagens ..
.
As especieis mais populares são Poeta Virtual , Poeta Zé
Ruela , Poeta portifólio , Poeta alucinógena , Poeta alucina-
do , poeta Panfleto , Poeta de Autoajuda , Puta poeta , Poeta
Pseudofilosóficosuicida , Poeta Marginal , Poeta Marciana
, Poeta Enrustido , Poeta de sábado e domingo , Poeta pop
, Poeta de rua , Poeta Faria Lima , Poeta Palhaço , poeta de
lua , poeta muso , poeta mascate , poeta de araque, Poeta
revolução permanente , poeta viralizada , poeta chiclete ,
poeta baunilha , poeta em lata , poeta orgânico , poeta es-
querdomacho , poeta dom Ruan e muitos outros .
Os pesquisadores confirmam que graças a Deus não se tem
qualquer indício confiável da existência de poeta fascista ,
racista , sexista , homofóbico , mito , misógino e similares .
Glória a Deus . Estes são os patifes de sempre mesmo , que
não suportam a poesia ...
A nova ortografia atualizou o significado da palavra poeta :
palavra rançosa , demorada e bonita para designar amadores ,
sonhadores e afins não domesticáveis
*
Amor Aos Pedaços
Muitas Cabeças na volta da mesa, só uma goiabada : Bahia
*Para minha família nordestina , especialmente pra minha mãe Monita Bonita
Carolina Montone
*
• EU ODEIO POESIA
Eu odeio poesia!
Já disse isso?
Pois volto a dizer com toda a força de meus pulmões:
EU ODEIO POESIA!
Odeio as rimas fáceis,
casamentos métricos, estrofes corretas
odeio amores coloridos ou doloridos
Odeio os já puídos babos às montanhas, ao sol e à lua.
Relações impossíveis, paz de mentirinha,
hipocrisia barata...
como eu odeio isso tudo!
Odeio o mundo solitário e idealizado dos poetas
Quero falar através de milhões de personagens
quero ser cada um deles
quero multiplicar a minha existência
quero partilhá-la entre todos esses seres
que vivem dentro e fora de mim.
Não vou ficar trancado no quarto escuro da poesia
a que fui confinado
Acendo todas as luzes
procuro janelas
Estou sufocado
quebro paredes
rompo as amarras
saio pro mundo…
Quero romances reais, estou carente de uma boa prosa.
Preciso conhecer pessoas como Fernando
Visitar os campos de Haroldo e de Augusto
Me sentir um "mané" balançando bandeiras
Ser casto como Alves ou arguto como um anjo
Abrir as gavetas e o armário de Andrade
Quero enrolar a minha língua e meus sentidos
com Mallarmé, Goethe, Pound, Valery,
Maiakovsky, Baudelaire, Neruda...
Quero entornar taças com Torquato
se possível a ler Leminski
Quero levantar com Caio
e ter a paz de dormir com Drummond.
Quero apenas...
Claras planícies
E mais...
Quero morrer com o dedo sempre em Hilst
*
• BAILARINO
dentro de mim vive essa teia
alma ateia por quem oro
algo carola, algo cigana
horas santa, horas sacana
me benzo com sobras de bagana
nessa veia pulsa sangue
derramado em muita luta
desse lado e de tantos
mantras matam falsos santos
sou judeu, sou angolano
alemão e muçulmano
me banho em tina palestina
meu sangue é negro puro
sugado do escuro dos porões
minha veia é seiva mamada
do seio incerto dessa terra
sou indígena, sou inca, sou nada
sou homem e mulher em incesto
detesto a verdade incontroversa
busco nos versos
liberdade
*
• ETERNA ESPERA
sobrevivendo
às chibatadas
às amarras
ao medo
ao porão molhado
às lágrimas e gritos
sufocados
ao desterro sem volta
trancados na alma
em naus sem rumo
sobrevivendo
à fome
a um modelo amoral
em que cofres transbordam
pra senhores do mal
em troca da fome
de gente sem fama
sem sorte
à espera da morte
sobrevivendo
a outra arma que mira
quem mora no morro
em qualquer periferia
bala cravando
outra cabeça de negro
da criança que ria
do pobre que chora
e por vida implora
sobrevivendo
a tantas porradas
aos choques e torturas
à força bruta
de tantas ditaduras
à mais triste sina
ratos na vagina
alicates no pênis
jovens e velhos
jogados ao mar
mortos sem nome
boiando de volta
sem nunca chegar
ao velho destino
à terra natal
Marcelo Brettas
*
Na minha terra…
Não se coroa ninguém.
Aqui mulher é de vento, de rio, de mata. Não uso coroa
Nem Preciso subir tronos
flutuo com os olhos de estrela
e o riso de quem conhece o fundo do mundo.
Realeza se faz de aparência.
Eu?
Sou feitiço antigo,
sou chamada da noite.
E quando caminho,
as águas param só pra ouvir
Rose Mary Lobato
v(l)er no blog Balbúrdia PoÉtica
Aos que não rastejam
Não, eu não serei cadela de madame,
nem sombra aduladora de medalhão inflado.
Se para ter é preciso curvar a espinha,
prefiro o nada.
Há nobreza na recusa,
há perfume na flor que apodrece sem ser colhida.
Que me deixem na sarjeta, mas inteira.
Com as mãos sujas, sim...mas minhas.
Eles beijam os sapatos que chutam.
Sorriem com dentes ocos.
Adulam, inclinam, gemem
— tudo em nome do brilho de um nome
que não é o deles.
Vendilhões da alma.
Corcundas douradas por dentro do esgoto.
E o mundo aplaude.
Mas eu,
maldita por opção, não.
Escolho a vertigem do abismo
à estabilidade da coleira.
Não me elevem em tapetes falsos.
Quero o chão, o vidro, o estilhaço.
Quero a dor do que é meu.
Meu fracasso, sim...mas, limpa.
Porque quem rasteja para subir
nunca mais anda ereto.
Simone Bacelar
Salvador 24/05/25
Nunca
fomos colonizados, fizemos foi Balbúrdia anti-colonial.
Sady
Bianchin
*
Ou a gente se Raóni
Ou a gente se Sting
Uma metade passa fome
Outra metade faz regime
Luis
Turiba
educação gramatical
ela tem um travessão
atravessado
na frente da palavra quero
me diz: espera
não por falta de desejo
tenho medo de dois pontos:
os seus olhos os seus beijos
pra onde você quer me levar
de tudo que a exclamação possa engendrar
respondo:
coloco vírgulas ponto e vírgulas
reticências qualquer outro sinal
abro parênteses
(os meus poemas nunca vão ter ponto final)
Artur Gomes
28 julho 2023
Poema do livro O Homem Com A Flor Na Boca
leia mais no blog
https://fulinaimacarnavalhagumes.blogspot.com/
*
origem 1
eu não sou
de onde nasci
eu não sou
de onde vim
nenhuma língua me engana
nenhuma terra me enterra
eu sou
onde estou
eu sou
onde sou
Tanussi Cardoso
*
sou
livre, sim.
liberdade do tipo que faz barulho
com o corpo inteiro —
até os ossos fazem festa
quando passo pelas esquinas do tédio.
tenho uma inteligência inconveniente,
dessas que não se curva
pra nenhum deus de gravata.
meus pensamentos mastigam convenções
como quem tritura gelo
numa noite de insônia.
carrego ironias no bolso,
como quem guarda pedrinhas
pra atirar em telhados de vidro.
às vezes finjo que acredito no sistema,
só pra vê-lo tropeçar
no próprio verbo.
liberdade é meu codinome,
mas não essa de outdoor
nem de bandeira lavada.
é a que acorda comigo
com o hálito amargo da verdade
e um sorriso de navalha.
eu sou livre porque sei rir —
principalmente de mim.
e isso, coisa de raro engenho,
é o que mais assusta os ignóbeis.
tenho um sarcasmo terno,
feito beijo na testa antes do adeus.
e uma lucidez que atormenta,
mas anda ereta,
mesmo quando manca.
se quiser me entender,
não leia o que escrevem.
desconfie.
sou livro escrito à unha,
sem capa e páginas arrancadas.
sou labirinto com saída,
mas sem mapa.
e quem me encontra,
nunca mais quer se perder.
Simone Bacelar
*
A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha Como puta Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.
Ferreira Gullar
*
Então eu disse
Mamãe há uma ferida na minha perna.
Há muito medo em mim.
Ela se prolifera por minuto
como os pés de milho no mundo.
Já coloquei sobre ela folhas molhadas de malva e alecrim
mas não houve nenhuma cura, ainda que eu pedisse.
Ontem vieram, à tarde, homens e meninos
com suas roupas escafandras.
Trouxeram-me biscoitos orientais
leite fervido, amoras pretas
coxas fritas de passarinho
olharam, passaram as mãos,
mas nada fizeram pela cura da ferida.
Veja nela a diferente forma de árvore
saindo daquela portinhola pintada de barcaças vazias.
Espanta-me essa seiva de pólen de flores
que dela escorre.
Peço-lhe, ainda que lhe seja estranho
derrame seus cabelos que cantam,
sobre a minha ferida.
Deixe que as estrelas iluminem essa cama
e durma enquanto eu dormir.
Sei de dores de outros que se encontram no campo
mas, peço-lhe, durma sobre a minha perna ferida.
*
AS CENTO E ONZE PICAS
Celso de Alencar (do livro Poemas Perversos - Editora
Quaisquer 2010)
Foram unhas
excitadas do inferno
que deixaram expostas
aos olhos do mundo
as cento e onze picas.
Estão mortas
as cento e onze picas.
Eternamente mortas.
Não veio do gozo
o gemido ouvido
no labirinto.
Foi do vendaval de chumbo
estacado na carne aflita.
Cento e onze bocas mortas.
Cento e onze vaginas órfãs.
Estendidas sobre
o largo piso frio,
enfileiraram-se para o pouso
de insetos de mortos.
Negras, brancas, pálidas,
as cores não importam.
São apenas
cento e onze picas mortas.
celso de alencar
*
Para a nossa eterna anarquia
cabocla,
caiçara,
caipira,
seja qual nome queiram dar,
o pai do posto maior
nunca nos serviu bem
Qual mito vamos necessitar?
Um místico apocalíptico
Tipo o Conselheiro
ou um militar genocida
Tipo o Caxias ...?
Se é pra ter nessa politrica um pai,
melhor um que nos prometa o céu
ou um que nos arremeta ao inferno?
José Facury Heluy
*
se eu soubesse o endereço
se eu soubesse o endereço
das estradas que atravesso
marcaria outro começo
no final da madrugada
vestiria um linho branco
numa calça engomada
e beberia um vinho tinto
na boca da namorada
Artur Gomes
*
corpoesia
no sarau
a poesia
muda
no corpo
a língua
muda
na língua
a vida
vive
César Augusto de Carvalho
*
jura secreta 39
quando tenso
o poema penso
fio suspenso no
Ar
quando teso
o poema preso
peixe surpreso no
Mar
Artur Gomes
foto.poesia
https://braziliricapereira.blogspot.com/
*
furo
o
que te perfura?
uma broca
uma bala
uma faca
uma
britadeira
uma falta
um
insulto?
um poema
uma
metáfora
te
per
fu
ra
?
Yara
Fers
*
com uma câmera nas mãos
um
poema na cabeça
vamos
filmar o poema
antes
que desapareça
Artur
Gomes
*
eco lógica
fosse o brasil
mulher das amazonas
caminhasse passo a passo
disputasse mano a mano
guardasse a fauna e a
flora
da fome dos tropicanos
ouvisse o lamento dos
peixes
jandaias araras ciganos
e nossos indígenas
africanos
não estaríamos assim
condicionados
aos restos do sub-humano
Artur Gomes
Dos livros: Couro Cru
& Carne Viva – 1987
*
Em O Inventário do Pêssego, 2020 Editora Casa Verde
dentro de mim
morreram muitos tigres
os que ficaram
no entanto
são livres
Lau Siqueira
*
Poema
o poema é
a nudez que me veste
na mesma derme que
rasga as novenas e os
vetores do nome que
sou quando apenas
respiro
fraudulento da minha
espécie
pensando sentindo
sentindo pensando
( )
queria cinco
pares de unhas afiadas
para escrever meu poema
pelas paredes
como grafitagem
beleza escondida
nos becos
Lau Siqueira
*
me visto de poesia
quando encarno faustino
com kimono de judô
um prefácio no intestino
na estrada que o destino
me
bashô
Rúbia Querubim
*
Eu queria tornar a língua molhada.
Fazer a palavra retornar pra boca.
É a língua da boca que fala a língua.
Palavra vem molhada de saliva.
Viviane
Mosé
do livro
desato
*
Quem fez esta manhã quem penetrou
À noite os labirintos do tesouro.
Quem fez esta manhã predestinou
Seus temas a paráfrases do touro.
As traduções do cisne:
fê-la para Abandonar-se a mitos
essenciais,
Deflorada por ímpetos de rara
Metamorfose alada, onde jamais
Se exaure o deus que muda, que
transvive.
Quem fez esta manhã fê-la por ser
Um raio a fecunda-la, não por lívida
Ausência sem pecado e fê-la ter
Em si princípio e fim: ter entre aurora
E meio-dia um homem e
sua hora
Mário Faustino -
O Homem e sua Hora
*
que anda por sobre a pele”
Gigi Mocidade
*
viraliza
para Samaral - in memorian
tudo mudo
nada muda
mudança só haverá
quando a massa
explodir a argamassa
do poder que escraviza
Artur Gomes
*
tenho sangrado demais
tenho chorado pra cachorro
ano passado eu morri
mas esse ano eu não morro
sons palavras são navalhas
e eu não posso cantar como convém
Belchior
*
tudo é perigoso
tudo é Divino maravilhoso
atenção para o refrão:
é preciso estar atento e forte
não temos tempo de temer a morte
Caetano Veloso
*
Fé
Hoje eu só vim agradecer
Por tudo que Deus me fez
Quem me conhece sabe
O que vivi e o que passei
O tanto que ralei
Pra chegar até aqui
E cheguei, cheguei
Lembro de vários veneno
Eu ainda menor
Nunca sonhei pequeno
A minha coroa me criou sozinha
Levantando sempre no raiar do dia
Bem cedo
Sempre aprendi com ela
A ser grata pelo que ainda vem
Hoje tu só vê os close
Nunca viu meus corre
Mas pra quem confia em Deus
O sonho nunca morre
Fé pra quem é forte
Fé pra quem é foda
Fé pra quem não foge a luta
Fé pra quem não perde o foco
Fé pra enfrentar esses filha da puta
Fé pra quem é forte
Fé pra quem é foda
Fé pra quem não foge a luta
Fé pra quem não perde o foco
Fé pra enfrentar esses filha da puta
Fé no proceder, na luta e na lida
Enquanto a gente não conquista
Segue em frente firme
Que a nossa firma é forte
Nunca foi sorte, irmão
Sempre foi Deus, sempre foi Deus
Hoje eu sonhei
Que um dia eu estaria onde ninguém pensou
Se Ele quiser, eu piso onde ninguém pisou
Humildade e sabedoria pra me guiar
E o impossível é possível pra quem acreditar
Fé pra quem é forte
Fé pra quem é foda
Fé pra quem não foge a luta
Fé pra quem não perde o foco
Fé pra enfrentar esses filha da puta
Fé pra quem é forte
Fé pra quem é foda
Fé pra quem não foge a luta
Fé pra quem não perde o foco
Fé pra enfrentar esses filha da puta
Oh mãe, oh mãe do céu
Abençoai, abençoai
Abençoai a correria
E o nosso pão de cada dia
Oh mãe, oh mãe do céu
Abençoai, abençoai
Abençoai a correria
É minha fé que me guia
Fé pra quem é forte
Fé pra quem é foda
Fé pra quem não foge a luta
Fé pra quem não perde o foco
Fé pra enfrentar esses filha da puta
Fé pra quem é forte
Fé pra quem é foda
Fé pra quem não foge a luta
Fé pra quem não perde o foco
Fé pra enfrentar esses filha da puta
Fé pra quem é forte
Fé pra quem é foda
Fé pra quem não foge a luta
Fé pra quem não perde o foco
Fé pra enfrentar esses filha da puta
Oh mãe, oh mãe do céu
Iza
*
Oswaldo de Andrade
*
Libertação
libertar palavra
como soltar a fera
o cão danado
desmedir o verso
como descartar o peso
não mais mordaças
ou ranger de dentes
só a voz, a chave para o salto
o voo da ave fugidia
e ao fim das formas
do horror do claustro
ousa, ousa, minha poesia:
o medo é uma prisão
e eu acabo de sair dela
*
CRUEZA
sou língua de sal
não poupo palavras
em mim nenhum Deus
em mim só um homem
que peca e execra
e desfeito em dores
sobrevive a quedas
sem nenhum pudor
à sorte me atrevo
só creio em meus atos
vejo o que não devo:
o osso em vez da carne
Jorge Ventura
*
Um girassol se escondeu por trás do portão de entrada. Entre
suas pétalas cantava minha amada um blues rasgado desses que não se houve mais
-
a branca flor o azul do mar e a menina dos meus olhos com a
luz de Iemanjá quem dera fosse a minha namorada e chegasse sem aviso só preciso
dos teus olhos e da luz do teu sorriso
o impulso aqui não é pouco o espírito grita dentro do corpo
deliro feito louco de tanta sede e fome como quem não vive em paz como quem não
come há muitos séculos atrás
Artur Gomes
*
Ou a gente se Raóni
Ou a gente se Sting
Uma metade passa fome
Outra metade faz regime
Luis
Turiba
*
amor, então,
também acaba?
não, que eu saiba.
o que eu sei
é que transforma
numa matéria prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
ou em rima
*
A Vida é as vacas
Que você coloca no rio
Para atrair as piranhas
Enquanto a boiada passa
Paulo Leminski
Vou onde me perco, sempre me perco.
sou contra o tédio de me encontrar.
só assim me reconheço:
cega aos rasgos de cada ruga,
aos riscos das minhas fugas e
aos tropeços do meu caminhar.
Beth Brait Alvim
In Língua febril.2022, Penalux
*
sucumbo de imaginar de sedução e simpatias
gosto de fugas e só não corro
porque espreito o voo
me encanto toda noite e dia e daí me afogo
minha prótese está no coração
cheio de enguias
Beth Brait Alvim
In A febre e a mariposa, Patuá, 2018
*
Sou a
carpideira que lava
as portas
de pedra
das
mulheres
sós
Beth
Brait Alvim
In Muros, bunkers e bordéis. Reformatório, 2025
*
Helvetia
serpentes margeiam em minha cabeça cheia de facas
toda madrugada
quase nasce o sol e os besouros rugem voando raso
sobre o asfalto gélido
da Rua Helvetia
Suas antenas polidas acenam bom dia manhã bom dia
São Paulo bom dia Brasil
Mas mal escondem a bílis nas calças de cetim coladas
dos donos de horrores
ah dias obesos de destruição em
que fiapos de gente rastejam
nus
pretos
e sós
a quem importam as mães e suas barrigas coaguladas
da sujeira de carimbos
a merda escorrendo na perna da criança
que subvive no bueiro do cu da avenida limpa por garis
de uniformes novinhos
na madrugada
o cacetete e o cano forjam o crime do menino do
moinho e
eles enfiam
mordem
matam
e é fake
pois inventam que nada de mal acontece e a culpa é
sempre de quem não tem pele branca
nem grana
Beth Brait Alvim
In A noite e o meio. Córrego, 2019
*
Fora(m) os muros
Tenho os joelhos trincados por quedas
e fugas
e os cotovelos ásperos
desde menina
de tanto escalar muros
para ver o que eu não via
e ao menos roçar no que
ainda não existia
e me fundir aos dias inventados
espiando o horizonte
hoje coço
o queixo cerrado
e evoco
algum mistério
escavo telhas,
cavoco linhas e atalhos,
pequenas e grandes cicatrizes
na fronte,
e esfrego os olhos
para não ver a aspereza,
esse frio de cimento,
suas marcas,
lamentos,
bandeiras
e seus corpos
- que ninguém mais me ouça: suplico uma cegueira
fulminante
que encarcere
no branco esquecimento
o corpinho
beijando a morte
de areia
a dois passos
do outro lado.
em casa diziam: pensar demais faz mal.
e hoje eu só sei derrapar nos muros,
paredes e janelas de cimento,
grades e embarcações.
Meu peito derrete de demolição
e desmaios em moto contínuo
a cada segundo,
mais pesada de concreto,
areia,
ferro,
ossos e pó.
Houve um tempo em que a saliva
reduzia os danos e as histórias
na esquina da quitanda
refrescavam os corações.
As chacotas e o esgar de uma mãe sisuda,
de um ou de outro menino,
punham longe o medo
e a vontade inconfessa
de ser pego
em pleno delito
com os bolsos caindo de balas.
Antes,
muros valiam o risco,
a espreita,
a descoberta,
a surpresa.
Atrás deles, lá de cima,
no fio da zona interdita,
a vida escorria.
Dentro de um deles,
um bilhete secreto
vira eterno,
socado e escondido
no buraco do
reboco fresco.
(poucos dias depois meu pai
incrustou
naquele muro de quintal novo
a geleia fria do cimento
lacrando para sempre
meu segredo)
atrás do muro, um outro mundo,
hoje,
a loucura levanta e derruba muros.
hoje,
vendem cacos do muro de Berlim
como souvenir
e matam de sede
gente que só conversa
com o muro das lamentações ...
...
mas não faz tanto tempo assim
Marina e Ulay
andaram a muralha
da China
inteira
cada um num extremo
até se encontrarem
para que o mundo visse
a lonjura
que concretou
o fim
do seu amor
Beth Brait Alvim
2019. Para o evento internacional Um mundo sem muros, 2019. C
Curadoria nacional, São Paulo: Cláudio Willer. Será publicado
no livro Muros, bunkers e bordéis, Editora Reformatório, que será lançado na
FLIP 2025.
*
Soneto do Pássaro Tonto
Sou este coração cheio de lascas,
um peito que encrespa sob uns pés tortos,
navio sem mar, à deriva, sem porto,
um cão bravio preso na mordaça.
Minha alma afunda como uma carcaça
por vezes boia como um peixe morto,
é fino fio que emenda um pano roto,
das bestas famintas, ela é a caça.
No bico trago a lua dos desertos
e pairo no céu qual pássaro tonto,
desenhando o sol, remendando cortes.
Mas hoje não existe o salto certo.
Só pousar em covas que nem mais conto:
voo raso e vazio rumo à morte.
Beth Brait Alvim
In - Língua febril, edição especial bilíngue, Editora
Penalux,2022
*
POESIA
súbita
irrefreável
sorrateira
abraça o inusitado flash
na fresta da porta
ainda emperrada
embota os decibéis
possíveis
torce meu cotovelo como um
véu de flor de ipê caída na terra
lambendo delicada
o canal lacrimal
desde a mata ardente
da mata viva
até o dorso do amor que
não volta
espreita
vara de marmelo
saliva do céu
vermelho estarrecedor
correndo nas veias
seringa
nas plantas dos pés
ah
o vazio do sossego
vem
nas mãos engorduradas
de pimenta
aqui
no umbigo do meu desleixo
no final da tarde
eu deixo
vem
me toma
me revira
poesia
me devora
mora na minha alma e
arde
Beth Brait Alvim
In - A noite e o meio. Editora Córrego, 2019
*
Lácio
Cavoco os poros
atrás de raízes.
Imploro aos bruxos
outra poção
e a receita é esta:
não seja do Lácio,
nem a que me enlace
aos troncos primais...
Farejo nas terras
uma outra verdade.
Materna idade,
primeira raiz.
Mea língua inteira
é fértil e arde.
Minh’alma primeira,
Te peço: não tardes.
Quero mais que festa.
Quero mais que gentes.
Quero ter, urgentes,
cravadas na testa,
frescas e expostas,
as minhas sementes.
Beth Brait Alvim
In - Língua febril, edição especial bilíngue, Editora
Penalux,2022
*
A casa nos ombros
no peito ronca solitário um caramujo velho
e sem dentes que
arranhem os tímpanos
de deus e os serrem para enfim
nos elevarmos além de sua surdez e de seus
pesadelos tão
sérios
Beth Brait Alvim
In- A febre e a mariposa, Patuá, 2018
*
AGORA
É hora
de amolar a foice
e cortar o pescoço do cão.
— Não deixar que ele rosne
nos quintais
da África.
É hora
de sair do gueto/eito
senzala
e vir para a sala
— nosso lugar é junto ao Sol.
ADÃO VENTURA (1946 - 2004)
*
assim como o pau-brasil
a flor do mangue
também
sangra
Rúbia Querubim
*
aqui nem coca
nem cola
nem bola
não vivo de fantasia
o que rola aqui é poesia
Pastor de Andrade -
o antropófago
*
eu sou
o que invoca
o que provoca
incorpora
desconcentra
desconforta
desconstrói
e desconcerta
Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa
Editora Penalux – 2020
*
MOENDA
usina mói a cana
o caldo e o bagaço
usina mói o braço
a carne o osso
usina mói o sangue
a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
o saldo & o lucro
*
A vida
sempre em suspense
alegria prova dos nove
fanatismo não me convence
muito menos me comove
Artur Gomes
in Suor & Cio - 1985 e Pátria A(r)mada - Desconcertos Editora – 2022
*
toda vestida de letras
como quem grafita na areia
um espelho d´água
à beira mar na lua cheia?
Federico
Baudelaire
*
USINA
rente
à palha dos aceiros
o
suor escorre à face
nas
entranhas do nariz
e
no solar da casa grande
é
uma tarde de festas
regada
a vinhos de Paris
*
herói
nacional
meu coração marçal tupã
sangra tupi e rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi-bumbá
a veia
de curumim
é coca
cola e guaraná
Artur Gomes
Suor
& Cio – 1985
*
vermelhos
que
deixam
marcas de
batom
nos
espelhos
Federika Lispector
Direto de Recife para a Mostra Visual de Poesia Brasileira
*
POEMINHA
DO CONTRA
todos esses que aí estão
atravancando o meu caminho
eles passarão
eu passarinho
Mário Quintana
*
BAIAFRO
essa áfrica nos meus olhos
e navegar é minha sina
em toda febre todo fogo
que incendeia o continente
nos teus olhos de menina
eu sou um poeta
e nunca fui a china
mas vermelho é o meu sangue
desde que nasci
*
equilibrista
sei que os loucos
sempre cantam nos hospícios
e eu, canto aqui
o meu poema carne & osso
comendo as sobras do tacho
raspando o fundo do poço
correndo o mesmo perigo
enquanto ginga enquanto samba
minha palavra meu ofício
mas uma vez na corda bamba
*
Profissão
meu ofício
é de poeta
pra rimar
poema e blusa
e ficar em tua pele
pelo tempo em que me usa
Artur
Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições – 1985
*
Itabapoana
Pedra Que Voa
dia desses sonhei com alquimia
ciência da transformação
na prova dos nove é alegria
o coração da pedra vira pássaro
e voa para outra dimensão
bashô
aqui um torquato
re-encarnou
todo viagem de volta
transpoema
que o vento não levou
*
era uma vez um mangue
e por onde andará Macunaíma?
na sua carne no seu sangue
na medula no seu osso
será que ainda existe
algum vestígio de Macunaíma
na veia do seu pescoço?
Artur Gomes
Por onde andará Macunaíma?
*
Aqui nessa pedra
Alguém sentou
Para olhar o mar
O mar não parou pra ser olhado
Foi mar para tudo enquanto é lado
Paulo Leminski
Poema do
aviso final
*
É preciso que haja alguma coisa
alimentando meu povo
uma vontade
uma certeza
uma qualquer esperança.
É preciso que alguma coisa
atraia a vida
ou tudo será posto de
lado
e na
procura da vida
a morte
virá na frente
e abrirá
caminhos.
É preciso
que haja algum respeito,
ao menos um
esboço
ou a
dignidade humana se afirmará
a
machadadas.
Torquato Neto
*
Poética
55
aqui nesse Puerto Viejo
te beijo em tudo que vejo
teus olhos me vem como feixes
teus olhos fachos de luz
faróis – no desejo concreto
sinais – nesse deserto de
gente
secreto em tudo que sinto
sinto muito – e também sente
EuGênio Mallarmè
*
o acaso
é um lance
de dados
que por acaso
a gente lança
sem mesmo saber
se alcança
o número que se quer
Irina Serafina
*
vendavais
e ventanias
sempre sopram
brisas boas
nos varais de poesia
Federika
Lispector
*
ouvi de um poeta
nesta última madrugada
na certa
com certeza
ele brigou com a namorada
Lady Gumes
*
balburdiar eis o verbo
ver pra crer
:
difícil
de falar
ótimo de fazer
amor
balbúrdia gozosa
jorrando poesia
enquanto goza
fazer balbúrdia
jogo de cartas
sem baralho
:
dá prazer
mas dá
trabalho
Artur
Gomes
In Itabapoana Pedra
Pássaro Poema
- Litteralux - 2025
*
para Sofia
Brito
Bebo
teus olhos atlânticos
e tua voz portuguesa
como quem bebe no Tejo
saudades de Lisboa
caminho com os teus passos
em direção ao poema do desassossego
Florbela Espanca Alberto Caieiro Fernando Pessoa
*
O poeta é um fingidor
chove aqui dentro
mais do que lá fora
eu tenho pressa
de olhar teus olhos
nesse mar de angra
o pau brasil sangra
enquanto isso
ela passeia no Egito
entre templos sagrados
dessas múmias quânticas
me perdoa
o poeta é um fingidor
mas eu não sou Fernando Pessoa
Artur Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
Litteralux - 2023
*
as musas de Ignáci
a Ignácio de Loyola Brandão
a mesma língua fala
quando deitamos
palavras duras
a vida crua sobre o
corpo do texto
e do teu poema
partilhamos a busca
do mesmo céu
de línguas e dentes
em viva dança
não mais de veia
bailarina
querendo escrever
tanto a um só tempo
sobrepomos ao risco
da Morte nossos textos
pacto de carícias
entre fonemas
sons dançantes saem
além da boca
sedução de risos no imaginário
do menino que admirava a brancura da pele da Primeira Musa
e matava os anões com
as palavras
creme de champignons envenenados
colhidas na floresta
de outros tempos
risos emoldurados em
boca e janelas
lá pelas terras de
Araraquara
doze anos antes do
nascimento da estrela mágica
do beijo que não vem
da boca
lá onde eu poderia
ter escrito o meu primeiro poema
cantando língua e
beijo
ao vento dos
ventiladores
*
"os amores de Edgar Allan Poe"
Valéry amava Mallarmé que amava Baudelaire
que amava Allan Poe que amava Virginia
a dos cabelos negros como o corvo
Valéry morreu depois de ter projetado o "Anjo"
sua última inspiração poética
Mallarmé ainda procura "O Livro essencial"
quando encontrou a Morte
Baudelaire sofreu uma longa agonia
antes de morrer e ser enterrado
no cemitério de Montparnasse em Paris
e Allan Poe casou-se com Virginia
que morreu aos 25 anos
Cristiane Grando
*
cada corpo é sua própria guilhotina
não bastam baterem suas membranas
na caixa craniana e
arderem
seus ramos carnais
entre a multidão de sal e fúria
os decapitados da vida
pensam como estão fodidos
nesse labirinto com tentáculos de polvo
fodidos na mutilação do sol feito
de memória e esquecimento
a fome circunda por fora com 77 patas
os decapitados da vida habitam
o íntimo calcário dos dias
com seus fêmures de relâmpagos
com suas línguas que cavalgam
a paisagem cubista de outras peles
cada corpo sustenta o seu lodo
cada corpo partilha o pus
o pão esmigalhado na brutal realidade
cada corpo é sua própria guilhotina anoréxica
são como cachorros nômades
sem nenhuma primavera em seus órgãos
os decapitados da vida
acolhem os reflexos
guardados nas águas mornas
nos olhos que são cabaças
dispersas na margem voraz do mundo
o amanhecer para eles é uma ferida
com sete peles de serpente
em torno do veneno e clamor
a religião dos calos é florescer e doer
é preciso queimar até o fim
no sanguíneo gesto
a frágil anatomia do horizonte
Carlos Orfeu
*
Tudo rima na mente
Entrementes, sorriu de modo muito contente para me dizer suavemente
que as flores sentem o que a gente sente.
De repente, disse-me que elas começam a morrer como todo ser
vivente, assim que nasce a semente que vai florescer.
Foi isso que, num ato envolvente de afetividade,
compenetrado e silente, ouvi de você,
antes de morreres novamente.
*
Outrora, o amor
Naquela época,
os dias caíam em barras,
com recheio de nozes e avelãs.
As tardes eram de baunilha,
seu sabor preferido.
E as iluminadas noites
traziam confeitos coloridos
dos amores que deliam
feito sonhos no céu
da boca...
A violação das Escrituras
Ao ler de bom grado os textos sagrados, rejuvenesço em cada
trecho a ideia de Deus que há em mim, tirando-lhe o trono, raspando-lhe as
barbas embranquecidas e arrancando-lhe toda a veste mortal chinfrim.
Ao reler as escrituras violadas, submeto-me à vontade deste Deus destronado e rejuvenescido mesmo assim, porque ela é infinitamente boa, soberanamente justa; enfim, porque ela é majestosamente pura.
Mesmo que para alguns Ele não exista, é esta a imagem de Deus que guardo bem dentro de mim, sem ser de todo Sua imagem e semelhança, alterando os mesmos ditos sagrados que já foram violados por mim.
Joilson Bessa
Alphaville, 2 de maio de 2025.
Alphaville, 3 de maio de 2025.
Santa Clara, 4 de maio de 2025.
*
Espelhos
ser o corpo espelhado
ser a traição do reflexo
: o registro pretérito na câmara escura do olho
: a imagem futura no milagre do espelho
: o silêncio
o não dito
do vítreo ao visgo
as aparências se avizinham
o que é o céu senão veios espelhados
do pensar
o que é o chão senão o crânio estilhaçado
depois da queda
Wanda Monteiro
Para a exposição
Borges – labirintos da arte
*
E pensar que somos transitórios
um frágil equilíbrio de vida
líquida e efêmera
sobre a linha d´água
fluindo no tempo
finito em nós
*
y pensar que somos transitórios
um frágil equilíbrio de la vida
líquido y efímero
sobre línea de
agua
fluyendo em el tempo
finito em nosostros
Wanda Monteiro
Do livro Aquatempo
Patuá - 2020
*
caverna
me tranquei na caverna
de platão
pra enfrentar meus próprios males
não vi primata nem zapata nem dragão
nem dragão
ouvi o canto das
sereias pelos bares
chamei pra briga o capeta de facão
senti o aço perfurando a carne mole
gritei bem alto um tremendo palavrão
chamei são jorge pra ajudar o filho pobre
daqui ninguém sai vivo nem com reza ou um milhão
um dia até o tolo acaba que descobre
perdi o medo de espelho e solidão
só levo a vida com a pele que me cobre
Ademir Assunção
Do livro Risca Faca
Selo Demônio Negro – 2021
*
pelo dito ou não dito
não há nada em salvação. mudam o tempo, as derrotas e as glórias, mas
ninguém sai vivo desta história, é esperar para ver. é rezar para crer noutra
dimensão onde, talvez, não haja ratos no porão.
Zhô Bertholini
Do livro Sol Postiço – 2021
*
O adejo dos golfinhos,
o nado da gaivota
é bonito de ver
como num passo improvável
o mar trocou de lugar com o céu:
a gaivota flutuante, o golfinho saltador
e o céu não acaba nunca
acrobacias e encontros
que tem como impulso
o vento, o ar passadiço
e o mar não acaba nunca
*
Love
song
quando você me aperta o coração
cortando da gaivota
o silêncio
da solidão, o frio
aprendo aos poucos os acordes de "La Vie em Rose"
te dou metade d palavra amor
e espero do caminho,
a outra metade
Natália Agra
Do livro De repente a chuva
Corsário Satã – 2017
*
MAR ABERTO
Naquele dia
em que você me puxou
pelo braço
com força
para cima
eu já não respirava.
Michaela v. Schmaedel
Do livro Coração Cansado
Penalux – 2020
*