poema para o povo
em tempo de abertura
quando você descobrir
que no meu quarto moram
exilados e subversivos,
perceberá o perigo
de dormir comigo
numa cama fria de uma Frei Caneca
ou se mandar de vez
para a esquerda de Jesus!
quando das grades,
paredes e muros
descobrir amor,
o povo estará liberto
e poderá seguir: Fidel
Guevara Pabblo Neruda ou
Luther King
- sem precisar pedir esmola –
basta lembrar
que o aborto
da manhã perdida
é uma menina-nua
in-consciente e tesa
e para o que já foi deposto:
mais vale o céu
a estrela
o mar,
que o punhal ou sabre,
ou mesmo a bomba sábia
que de uma vez arrasa
mas não basta por si só
pois se os sinais dos templos
ainda não ruíram
é porque alguma coisa ainda existe
por detrás das crenças
ou mesmo desse Deus
em quem acreditamos
e para o que foi detido:
mais vale a terra
o trigo
o grão
que a navalha ou corda –
que amarra
prende
e corta
mas não basta
não reforça
e nem destrói
tudo de uma vez
- porque renasce e continua ...
e para a morte :
não é preciso golpes
nem estrelas
nem estradas
e para o povo
não é preciso o golpe
nem
promessas
nem
palavras
é preciso pão
Artur Gomes
na coletânea Ato 5
Coleção UNIVERSO
Campos dos Goytacazes-RJ – 1979
Obs.: este poema foi o vencedor do III Festival de Poesia
Falada de Campos, na época realizado pelo Departamento Municipal de
Cultura, que tinha em sua direção o saudoso poeta e jornalista Prata Tavares
Em 1980 fui levado por Osório Peixoto, para
participar da Semana de Cultura no SESC da Tijuca, que
era coordenado pelo professor Ivan Cavalcanti Proença. Quando no
palco, terminei de falar este poema, fui conduzido para uma sala, por um
soldado da PF para um interrogatório que durou mais ou menos umas 6 horas. Só
fui liberado na madrugada quase ao raiar de um novo dia depois daquela noite
escura. Tinha uma namorada na época, de nome Maria Helena, estudante do Colégio
Benetti, onde Ivan Proença era o responsável pela cadeira de cultura popular, e
a noite me levou para um bate papo com sua turma sobre O Boi-Pintadinho, livro
que havia acabado de lançar.
canção de amor por um pedaço de LatinoAmérica
em
parceria com Kapi
ao ver-te assim Nicarágua
em migalhas
mutilada –
quisera dar-te um leito
um prato
um peito
quisera ter-te
dentro dos poemas
fora das calçadas
fora dos caixotes
quisera como gente
quisera dar-te tanto
amanhecer de esperanças
sem fantasmas
sem trincheiras
quisera ter-te agora
ao redor da minha mesa
ver e ter teus passos
a caminho de resgates
que não fossem incertezas
quisera dar-te em sangue
tudo o que não comes
pois só pode saciar-te
em pratos que não são teus
pois os teus, eu sei
são restos
de rostos transfigurados
e sombras e madrugadas
e mortos em estilhaços
todos velados sem lençóis
quisera dar-te
qualquer coisa, amiga!
e que fosse fogo, força
e fé com finalidade
de estancar o que for preciso
e re-forçar os essenciais
quisera dar-te
uma estrada estreita
imensamente escassa
de rajadas e execuções
completamente ampla
de mentes novas
e humanas definições
quisera dar-te em sonhos
o que tiveste m pesadelo...
e plantar sobre o teu solo
outra América Central
com uma dose dupla
de antídotos capazes
contra as garras da discórdia
que se instalou sob os teus pés
e não seria preciso
que necessariamente fosse
uma estrada comprida
uma bonita estrada
caminho ao infinito
mas justamente fosse
uma humana estrada
para amparar-te agora
quisera dar-te um atalho
que fosse teu agasalho
para o refúgio dos homens
de todo pavor e medo
mas é possível que ainda
um mundo novo estabeleça
e estou quase certo
que ele por ti re-nasça
e aí então esta estrada
será possível entregar-te
com girassóis nas janelas
sem tanques
sem estilhaços
apenas humanas janelas
de corações
pernas
e braços
para proclamar o amor presente
e o ponto final da ditadura
amanhecer à luz do sol
e somente re-nascer
essa luz de liberdade
PONTAL
(a Ana Augusta Rodrigues)
aqui
onde rio e mar
se beijam
aqui no fim do mundo
onde terra e céu
se abraçam
num ato sexual
aqui
no fim do dia
um barco preso na corda
um peixe preso no anzol
a terra varrida ao vento
casas varridas ao temporal
aqui
no mesmo teto
pássaros sobre os calcanhares
homens sobre os girassóis
onde rio e mar se beijam
re-nascem nossos filhos
quando terra e céu
se abraçam
sem ter nem mãe nem pais
onde o seu refúgio
é nu meu peito aflito
e a minha solidão
nuteu corpo é
paz
Ai-5
(a todo homem que faz
do teu suor o nosso pão
de cada dia)
falo como se fôssemos
animais sem pastos
fartos de dor
famintos de ilusões
como se fôssemos
fantasias já usadas
gastas
e sem aproveitamento
em outros carnavais
como se fôssemos
a febre que não mata
o ódio que não falta
em cada quarto ou corpo
como armação tombada
favela por assalto tomada
de enchente de polícia e marginais
falo como se fôssemos
a grande queda
e o re-construir dos passos
após raízes descobertas
e um retomar de vozes
e palavras
encobertas por punhais
de um mesmo assassinato
como se fôssemos
500 mil barrigas
grávidas de fome
falo como se fôssemos
a vontade prenhe nos pulsos
e o nó cego na garganta
a corda em cada esperança
e um farejar de becos
com ratos, sem saídas
como se avistasse o mar
mesmo cravado em terra
como se fosse o céu
poeira pó e chão
como se ver morrer Maria
fosse nos matar de alucinação
falo como se fôssemos
apenas morte –
suave-mente
como se não passássemos
de apenas mundo
e através do parto
não nascesse o homem
mas gerasse o medo
falo como se tudo ou nada
não fosse...
ficasse
eternidade não existisse
prevalecesse
e a farejar os becos
não estivessem ratos
mas o próprio século
falo da favela onde nós moramos
como se não fôssemos, mas éramos
quando Maria-amiga não morreu de susto
mas morreu de tédio, nessa cidade inteira
onde nós vivemos como se não éramos
mas fôssemos uma família à mínguas
a so-correr dos custos e se perder dos gestos
sem poder conter ou controlar no peito
a invasão de asfalto em nosso mesmo sangue
falo como se a porta dos seus olhos
fosse o ventre desse sol
como se o céu da sua boca
fosse sinal de nossa vida
e não existissem entradas
nem fosse preciso saídas
e não houvesse tantos cortes
tem tantas almas feridas
como se abrir fosse fechar
como se chorar fosse sorrir
como se matar não fosse morrer
como se crescer não fosse matar
como se a pessoa encantada
levasse o povo no dorso
para um país consciente
e não houvesse paredes
grades – prisões ou muros
e um Jesus de carne e osso
sangrasse em pão sobre o presente
e abrisse em portas pro futuro
quanto ao poema sujo
que a nossa vida escreve
pode gerar a flor
dentro esse mesmo pântano
como se fosse escuridão
a doce e plena claridade
obs.: Em 1977 no livro Além da Mesa Posta,
em um texto escrito por Orávio de Campos Soares, ele profetiza que, até então,
minha poesia mística simbolista, ainda iria se debruçar sobre o social, o
político. Nos poemas dessa coletânea Ato 5 publicada em 1979, começo a dar os
primeiros passos nesse sentido. Em 1978 no poema Canta Cidade
Canta, vencedor do II Festival de Poesia Falada de Campos, acredito
que esta meta já estava traçada de forma talvez,
até, inconscientemente, porque sempre gostei de afirmar que em mim, a poesia,
nasce do impulso, flui, sem muito planejamento, é fruto do instante, do Estado
de Poesia. Em 1980, com o Boi-Pintadinho, a profecia
do Orávio se concretiza, pois nele a minha voz poética está
totalmente afiada para cantar os horrores das nuvens de chumbo que pairou sobre
o Brasil de 1964 a 1985, e que, infelizmente, estamos novamente com elas sobre
nossas cabeças.
27 de agosto
com muito gosto
fazer setenta e sete
outra coisa me disse
fulinaíma
pra definir o que faço
o traço a cada compasso
pensado sentido vivido
estando inteiro
não par/ti/do
a língua ainda
entre/dentes
a faca
ainda mais afiada
a carNAvalha in/decente
escre/v(l)er
é tudo o que posso
pra desafinar os contentes
desempatar de/repente
o jogo dos reles bandidos
é tudo o que tenho feito
por mais que tenha sofrido
nas unhas dos dedos
nos nervos
na carnadura dos ossos
Artur Gomes
Hoje Balbúrdia PoÉtica especial
no Carioca Bar - Rua Francisca Carvalho de Azevedo, 17
Parque São Caetano - Campos dos Goytacazes-RJ
Espero vocês lá, a partir das 18h
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Artur Fulinaimagens
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