quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Artur Gomes 77

 poema para o povo

 em tempo de abertura

 

quando você descobrir

que no meu quarto moram

exilados e subversivos,

perceberá o perigo

de dormir comigo

numa cama fria de uma Frei Caneca

ou se mandar de vez

para a esquerda de Jesus!

 

quando das grades,

paredes e muros

descobrir amor,

o povo estará liberto

e poderá seguir: Fidel

Guevara Pabblo Neruda ou

Luther King

 

- sem precisar pedir esmola –

 

basta lembrar

que o aborto

da manhã perdida

é uma menina-nua

in-consciente e tesa

 

e para o que já foi deposto:

mais vale o céu

a estrela

o mar,

que o punhal ou sabre,

ou mesmo a bomba sábia

que de uma vez arrasa

mas não basta por si só

 

pois se os sinais dos templos

ainda não ruíram

é porque alguma coisa ainda existe

por detrás das crenças

ou mesmo desse Deus

em quem acreditamos

 

e para o que foi detido:

mais vale a terra

o trigo

o grão

 

que a navalha ou corda –

que amarra

prende

e corta

mas não basta

 

não reforça

e nem destrói

tudo de uma vez

 

- porque renasce e continua ...

 

e para a morte :

não é preciso golpes

       nem estrelas

       nem estradas

 

e para o povo

não é preciso o golpe

         nem promessas

         nem palavras

 

é preciso pão

 

Artur Gomes

na coletânea Ato 5

Coleção UNIVERSO

 Campos dos Goytacazes-RJ – 1979

 

Obs.: este poema foi o vencedor do III Festival de Poesia Falada de Campos, na época realizado pelo Departamento Municipal de Cultura, que tinha em sua direção o saudoso poeta e jornalista Prata Tavares

Em 1980 fui levado por Osório Peixoto, para participar  da Semana de Cultura no  SESC da Tijuca, que era coordenado pelo professor  Ivan Cavalcanti Proença. Quando no palco, terminei de falar este poema, fui conduzido para uma sala, por um soldado da PF para um interrogatório que durou mais ou menos umas 6 horas. Só fui liberado na madrugada quase ao raiar de um novo dia depois daquela noite escura. Tinha uma namorada na época, de nome Maria Helena, estudante do Colégio Benetti, onde Ivan Proença era o responsável pela cadeira de cultura popular, e a noite me levou para um bate papo com sua turma sobre O Boi-Pintadinho, livro que havia acabado de lançar.

 

canção de amor por um pedaço de LatinoAmérica

                                                em parceria com Kapi

 

ao ver-te assim Nicarágua

em migalhas

mutilada –

quisera dar-te um leito

um prato

um peito

 

quisera ter-te

dentro dos poemas

fora das calçadas

fora dos caixotes

quisera como gente

 

quisera dar-te tanto

amanhecer de esperanças

sem fantasmas

sem trincheiras

quisera ter-te agora

ao redor da minha mesa

ver e ter teus passos

a caminho de resgates

que não fossem incertezas

 

quisera dar-te em sangue

tudo o que não comes

pois só pode saciar-te

em pratos que não são teus

pois os teus, eu sei

são restos

de rostos transfigurados

e sombras e madrugadas

e mortos em estilhaços

todos velados sem lençóis

 

quisera dar-te

qualquer coisa, amiga!

e que fosse fogo, força

e fé com finalidade

de estancar o que for preciso

e re-forçar os essenciais

 

quisera dar-te

uma estrada estreita

imensamente escassa

de rajadas e execuções

completamente ampla

de mentes novas

e humanas definições

 

quisera dar-te em sonhos

o que tiveste m pesadelo...

 

e plantar sobre o teu solo

outra América Central

com uma dose dupla

de antídotos capazes

contra as garras da discórdia

que se instalou sob os teus pés

 

e não seria preciso

que necessariamente fosse

uma estrada comprida

uma bonita estrada

caminho ao infinito

mas justamente fosse

uma humana estrada

para amparar-te agora

 

quisera dar-te um atalho

que fosse teu agasalho

para o refúgio dos homens

de todo pavor e medo

 

mas é possível que ainda

um mundo novo estabeleça

e estou quase certo

que ele por ti re-nasça

 

e aí então esta estrada

será possível entregar-te

com girassóis nas janelas

sem tanques

sem estilhaços

 

apenas humanas janelas

de corações

pernas

e braços

 

para proclamar o amor presente

e o ponto final da ditadura

amanhecer à luz do sol

e somente re-nascer

essa luz de liberdade

 

PONTAL

(a Ana Augusta Rodrigues)

 

aqui

onde rio e mar

se beijam

aqui no fim do mundo

onde terra e céu

se abraçam

num ato sexual

 

aqui

no fim do dia

um barco preso na corda

um peixe preso no anzol

a terra varrida ao vento

casas varridas ao temporal

 

aqui

no mesmo teto

pássaros sobre os calcanhares

homens sobre os girassóis

onde rio e mar se beijam

re-nascem nossos filhos

quando terra e céu

se abraçam

sem ter nem mãe nem pais

 

onde o seu refúgio

é nu meu peito aflito

e a minha solidão

nuteu corpo é

                       paz

 

Ai-5

(a todo homem que faz

do teu suor o nosso pão

de cada dia)

 

falo como se fôssemos

animais sem pastos

fartos de dor

famintos de ilusões

 

como se fôssemos

fantasias já usadas

gastas

e sem aproveitamento

em outros carnavais

 

como se fôssemos

a febre que não mata

o ódio que não falta

em cada quarto ou corpo

como armação tombada

favela por assalto tomada

de enchente de polícia e marginais

 

falo como se fôssemos

a grande queda

e o re-construir dos passos

após raízes descobertas

e um retomar de vozes

e palavras

encobertas por punhais

de um mesmo assassinato

 

como se fôssemos

500 mil barrigas

grávidas de fome

 

falo como se fôssemos

a vontade prenhe nos pulsos

e o nó cego na garganta

a corda em cada esperança

e um farejar de becos

com ratos, sem saídas

 

como se avistasse o mar

mesmo cravado em terra

como se fosse o céu

poeira pó e chão

como se ver morrer Maria

fosse nos matar de alucinação

 

falo como se fôssemos

apenas morte –

suave-mente

como se não passássemos

de apenas mundo

e através do parto

não nascesse o homem

mas gerasse o medo

 

falo como se tudo ou nada

não fosse...

ficasse

eternidade não existisse

prevalecesse

e a farejar os becos

não estivessem ratos

mas o próprio século

 

falo da favela onde nós moramos

como se não fôssemos, mas éramos

quando Maria-amiga não morreu de susto

mas morreu de tédio, nessa cidade inteira

onde nós vivemos como se não éramos

mas fôssemos uma família à mínguas

a so-correr dos custos e se perder dos gestos

sem poder conter ou controlar no peito

a invasão de asfalto em nosso mesmo sangue

 

falo como se a porta dos seus olhos

fosse o ventre desse sol

como se o céu da sua boca

fosse sinal de nossa vida

e não existissem entradas

nem fosse preciso saídas

e não houvesse tantos cortes

tem tantas almas feridas

 

como se abrir fosse fechar

como se chorar fosse sorrir

como se matar não fosse morrer

como se crescer não fosse matar

 

como se a pessoa encantada

levasse o povo no dorso

para um país consciente

e não houvesse paredes

grades – prisões ou muros

e um Jesus de carne e osso

sangrasse em pão sobre o presente

e abrisse em portas pro futuro

 

quanto ao poema sujo

que a nossa vida escreve

pode gerar a flor

dentro esse mesmo pântano

como se fosse escuridão

a doce e plena claridade

 

obs.:  Em 1977 no livro Além da Mesa Posta, em um texto escrito por Orávio de Campos Soares, ele profetiza que, até então, minha poesia mística simbolista, ainda iria se debruçar sobre o social, o político. Nos poemas dessa coletânea Ato 5 publicada em 1979, começo a dar os primeiros passos nesse sentido. Em 1978 no poema Canta Cidade Canta, vencedor do II Festival de Poesia Falada de Campos, acredito que esta meta já estava traçada  de forma  talvez, até, inconscientemente, porque sempre gostei de afirmar que em mim, a poesia, nasce do impulso, flui, sem muito planejamento, é fruto do instante, do Estado de Poesia. Em 1980, com o Boi-Pintadinho, a profecia do Orávio se concretiza,  pois nele a minha voz poética está totalmente afiada para cantar os horrores das nuvens de chumbo que pairou sobre o Brasil de 1964 a 1985, e que, infelizmente, estamos novamente com elas sobre nossas cabeças.


27 de agosto
com muito gosto
fazer setenta e sete
outra coisa me disse
fulinaíma
pra definir o que faço
o traço a cada compasso
pensado sentido vivido
estando inteiro
não par/ti/do
a língua ainda
entre/dentes
a faca
ainda mais afiada
a carNAvalha in/decente
escre/v(l)er
é tudo o que posso
pra desafinar os contentes
desempatar de/repente
o jogo dos reles bandidos
é tudo o que tenho feito
por mais que tenha sofrido
nas unhas dos dedos
nos nervos
na carnadura dos ossos

Artur Gomes

Hoje Balbúrdia PoÉtica especial
no Carioca Bar - Rua Francisca Carvalho de Azevedo, 17
Parque São Caetano - Campos dos Goytacazes-RJ
Espero vocês lá, a partir das 18h

leia mais no blog
Artur Fulinaimagens
https://fulinaimargens.blogspot.com/


terça-feira, 26 de agosto de 2025

Poesia Ali Na Mesa

suspenso

no Ar

não penso

atravesso

o portão da tua casa

o corpo em fogo

a carne em brasa

tudo arde

nas cinzas das horas

no silêncio da tarde 

 

Artur Gomes

PoÉticas ArturiAnas

www.arturkabrunco.blobspot.com

AntroPOPhagia 

Hoje levei a tarde na minha conexão sonora com o melhor que existe na Música Popular Brasileira. Só de sagaranagem compartilho para os amigos o link no youtube deste maravilhoso show ao vivo em Nova York, da minha amiga Beatriz Azevedo, para que todos possam ouvir essa maravilha musical sobre este poema do Oswald de Andrade, que os cricri enrustidos, chamam de poesia piada.

 

 no baile da corte

 foi conde D quem disse

pra dona Benvinda

 que farinha de suruí

 pinga de parati

fumo de Baependi

é comer beber pitá e cair 

Se não existisse a Semana de Arte Moderna de 1922, e não existisse Oswald de Andrade é bem possível que esse AntroPOPhagia também não existisse, não preciso nem dar outros exemplos para afirmar que a SEMANA DE ARTE MODERNA norteou os rumos da Arte no Brasil a partir dela, por isso sua importância viva 100 Anos Depois. Eu bebo, sempre bebi da fonte Oswaldiana, Serafim Ponte Grande é um dos meus livros de cabeceira, e eterno companheiro de viagem.

 

Artur Gomes

#natrilhadofogo
#vamosdevorar22

Fulinaimicamente

www.fulinaimicamente.blogspot.com

 clic no linc para assistir o show


Pátria A(r)mada

www.arturgumesfulinaima.blogspot.com

sábado, 9 de agosto de 2025

Poesia Ali Na Mesa

Balbúrdia PoÉtica

 

Federico rasgou a rede

cortou a censura

colocou a dita/dura

                     na parede

 

poesia ali na mesa

geleia geral – relâmpagos

faíscas da surpresa

 

diariamente no blog

https://fulinaimagemfreudelerico.blogspot.com/

 O poeta enquanto coisa


Cristina Bezerra me disse
que trepo no corpo
das palavras
na desconstrução da normalidade
dos seus significados

o poema é um jogo de dedos
um lance de dados
e o poeta enquanto coisa
é mediúnico
amoral em sua estética

na transa poética
tudo o que sai do corpo
é o que já foi incorporado

Fulinaimiamente – TransPoÉticas
Coletânea Poetas Vivos – Nic Cardeal + Fernando Pessoa + Ademir Assunção + Fernando Leite Fernandes + Artur Gomes + Benette Bacelar + Luis Avelima + Federico Baudelaire + Luis Mendes + Artur Fulinaíma + Florbela Espanca

dentro da noite veloz

quando estive em Ubatuba
não era junho de chuva
lágrimas de Oxum menina
encharcaram minha íris – viúva
dentro da noite veloz
e na vertigem do dia
aquela prova dos nove
não foi nenhuma alegria
muito pelo contrário
me deu angústia agonia
a menina dos meus olhos
que beijei na algaravia
dentro da noite veloz
e na vertigem do dia

Artur Gomes
https://fulinaimicamente.blogspot.com/
 

 Literofagia


comer a palavra
degustar
deglutir
digerir
devorar
poesia
eu bebo
eu como
Oswald de Andrade
na geleia geral
pelos becos botecos e pelos
bares da cidade
literofagia

Geleia Geral – Revirando a Tropicália
Semana de 22 – 100 Anos Depois
Dia 24 – junho -2202 – 19h
Local: Santa Paciência Casa Criativa
Rua Barão de Miracema, 81 – Campos dos Goytacazes-RJ


     o curral das merdavilhas

o brasil já foi ilha de vera cruz
e nunca foi ilha
já foi terra de santa cruz
e nunca foi santa
hoje ninguém mais se espanta
com o volume das trapaças
no curral das merdavilhas

Artur Fulinaíma
https://ciadesafiodeteatro.blogspot.com/

atentado poético


a hipocrisia aqui é muita
liberdade muito pouca
com meus dentes de navalha
vou rasgar a tua roupa
esse poema beijo/bomba
vai explodir na tua boca

Federico Baudelaire
https://arturfulinaima.blogspot.com/
 

MINHA MEDIDA

Meu espaço é o dia
de braços abertos
tocando a fímbria de uma e outra noite
o dia
que gira
colado ao planeta
e que sustenta numa das mãos a aurora
e na outra
um crepúsculo de Buenos Aires

Meu espaço, cara,
é o dia terrestre
quer o conduzam os pássaros do mar
ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil
o dia
medido mais pelo pulso
do que
pelo meu relógio de pulso

Meu espaço — desmedido —
é o nosso pessoal aí, é nossa
gente,
de braços abertos tocando a fímbria
de uma e outra fome,
o povo, cara,
que numa das mãos sustenta a festa
e na outra
uma bomba de tempo.

Ferreira Gullar

quantas eras quantas anas

estive em muitos lugares algumas páginas de livros jornais paredes e muros de cidades que nem mesmo conhecia. Me lembrava agora de um poema do livro BrazilLírica Pereira: A Traição das Metáforas e da minha passagem por Santo André entre 1993 e 1997.

Lá conheci um músico mineiro de nome Alexandro Silva, mas que gostava de ser chamado de Naiman. Foram longos anos de parcerias musicais que, algumas, estão gravadas no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia, lançado em 2002. Em 1996, numa viagem que fizemos em um fusca para Campinas, onde eu fui dirigir uma Oficina de Criação de Artifícios no SESC, que me veio pela primeira vez a palavra Fulinaíma, talvez soprada por alguma divindade mística, que nem mesmo Freud explica.

Não há vagas


O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira.

Ferreira Gullar

Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

Ferreira Gullar

Subversiva


A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha
Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.

Ferreira Gullar

poemas portugueses


Nada vos oferto
além destas mortes
de que me alimento

Caminhos não há
Mas os pés na grama
os inventarão

Aqui se inicia
uma viagem clara
para a encantação

Fonte, flor em fogo,
quem é que nos espera
por detrás da noite ?

Nada vos sovino:
com a minha incerteza
vos ilumino

Ferreira Gullar 

psicanalítica


freudelicamente
meu coração fellini
tem estado bergman
por desejar branquinha
em seu estado avesso

Federico Baudelaire

https://www.facebook.com/federicoduboi/?fref=ts 
se eu soubesse o endereço

da estrada que atravesso
marcaria outro começo
no final da madrugada
vestiria um linho branco
numa calça engomada
e beberia um vinho tinto
na boca da namorada
 

do outro lado do olho
seus dedos abusam
do smartphone
ela com suas pernas largadas
nuas ao espaço do mar
solta um riso frouxo
quando limpa o sangue
escorrido do meu olho
 

veneno

as tintas de Almodóvar
faíscam no meu corpo
qual centelhas
ferve o sangue
toxina em cada veia
como veneno que bebi
no ferrão de alguma abelha

colei tua foto.grafia
em minha face
para ver do outro lado do olho
se o teu olho me olha
como antes
na face da liberdade
por nunca mais
te querer distante
por toda essa eternidade

espelho


flechas que sangraram Oxóssi
em meu peito quebro
espelho do outro lado
da rua mato a fera
Ogum me deu a lança
tua fúria não me alcança
não ando só Yansã
me leva em sua ventania
trovão estampido coice elétrico
tenho o reflexo do fluxo
do sangue que me embala
bala na veia tiro de letra
não tenho trava não tenho treta
branca ou preta eu traço o tempo
ao sabor do vento que vem
ao sabor do vento que vai
onda do mar eu tenho o sal
e quero sol a solidão não pega
de surpresa nunca fui presa
fácil pra tua armadilha
eu tenho a trilha que os teus pés
jamais irão pisar.

Federika Lispector
https://www.facebook.com/federikalispector/?fref=ts 

injúria secreta 2

o meu amor
não é um bicho
mas é um pássaro
afogado no lixo


Gigi Mocidade
foto: Artur Gomes

      Sob a Espada

mas que sentido tem tecer palavras e palavras
- amoras
auras
lauras
carambolas -
com esta mão mortal
enquanto o tempo luze sua espada
sobre mim?

Para que armar mentiras
se a água é água se a água é nuvem (entre meus pés) se a folha é por si só lâmina verde e corta e se meus dentes estão plantados em mim?
nesta gengiva sim
que sou eu mesmo
e unha e ânus
e anca e osso
e pele e pêlo
e esperma e
escroto
com que invento
um verso torto

Ferreira Gullar 

       espírito santo

Guarapari aqui estou
aqui me encontro
em estado de espírito santo
nesse mar azul e branco
como a s cores da Portela
o rio já passou em minha vida
nas marés de um serafim
mar é o que fica
como o deus que me habita
sem princípio meio ou fim

Federika Bezerra
foto: Artur Gomes

www.fulinaimargem.blogspot.com

       feminina


fosse apenas flor da pele
nessa flor tão feminina
me afoga me naufraga
me engole pelo estômago
nesse mar entre teus pelos
nessa pedra entre teus poros
nesse vento entre os cabelos

Gigi Mocidade

foto: Artur Gomes

www.porradalirica.blogspot.com

        alguma poesia

não. não bastaria a poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.

não. não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô.
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.

não. não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.

não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e uma cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando realismo hiper moderno,
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
uma mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos

não. não bastaria toda poesia
que eu trago em minha alma um tanto porca,
este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrizando lá na Urca
e esta cidade deitando água
em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos.

Artur Gomes
In Couro Cru & Carne Viva

Prêmio Internacional de Poesia - Quebec - Canadá 1987

www.suorecio.blogspot.com

       Ali

quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro ou está por fora
quem está por fora
não sustenta um olhar que demora
diante do meu centro
este poema me olha

ali
se Alice ali se visse
quando Alice viu e não disse
se ali Alice dissesse
quanta palavra veio e não desce
ali bem ali dentro da Alice
só Alice com Alice ali se parece

          Paulo Leminski

meu corpo

no epicentro do mundo
parabolicamará
quando o mar dá no sertão
e o sertão está no mar

               Beatriz Gumes

              Poema Obsceno

Façam a festa
cantem e dancem
que eu faço o poema duro
o poema-murro
sujo
como a miséria brasileira

Não se detenham:
façam a festa
Bethânia Martinho
Clementina
Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
gente de Vila Isabel e Madureira

todos
façam
a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
este surdo
poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)

Não se prestará a análises estruturalistas

Não entrará nas antologias oficiais

Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do
país
– e espreitam.
 

Ferreira Gullar

Ente/Vistas

 

Concedendo entrevista ontem 15 de agosto 2025 a Raphael Fuly, licenciando em música no IFF Guarus, sobre a minha trajetória com Arte dentro da ETFC/CEFET/IFF, de 1968 a 2012. Raphael é orientando pela queridíssima amiga  Beth Rocha, parceira de grandes espetáculo de Teatro Musical que montamos no CEFET/IIF a partir de 1997, tais como “O Dia Em Que A Federal Soltou a Voz e Criou  Um Coro de 67 Vertebrados”, espetáculo que foi apresentado em 1997 no Auditório Miguel Ramalho, marcando a chegada  de Beth no CEFET/Campos e o meu retorno de uma licença prêmio para coordenar a Oficina de Artes Cênicas, que criei em 1975.

A entrevista foi realizada no Casarão - Centro Cultural, na Rua Salvador Correia, 171. Raphael Fuly, é integrande de uma banda formada por estudantes de música no IFF, contemplada em edital na lei Aldir Blanc, dia 22 deste a banda estará se apresentando no Museu Histórico de Campos, e um dos integrantes da mesma, Pablo Vinícius, que em 2022 participou do meu Projeto Geleia Geral – Semana de 22 – 100 Anos Depois, me pediu licença para nomear  a banda com o nome Balbúrdia PoÉtica, o que imediatamente autorizei, e no dia 22 pretendo batizá-la tornado-a minha afilhada.

Como bem disse lá pelos idos de 2005, quando fui contemplado no projeto Poesia Na Idade Mídia – Outros Bárbaros, de Ademir Assunção realizado no Itaú Cultural São Paulo, no poema VeraCidade: - por quê trancar as portas/tentar proibir as entradas/se eu já habito os teus 5 sentidos/e as janelas estão escancaradas.

* 

VeraCidade

 

por quê trancar as portas

tentar proibir as entradas

se já habito os teus cinco sentidos

e as janelas estão escancaradas ?

 

um beija flor risca no espaço

algumas letras de um alfabeto grego

signo de comunicação indecifrável

eu tenho fome de terra

e esse asfalto sob a sola dos meus pés

agulha nos meus dedos

 

quando piso na Augusta

o poema dá um tapa na cara da Paulista

 

flutuar na zona do perigo

entre o real e o imaginário

João Guimarães Rosa

Caio Prado

Martins Fontes

um bacanal de ruas tortas

 

eu não sou flor que se cheire

nem mofo de língua morta

o correto deixei na Cacomanga

matagal onde nasci

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Obs.: em 2023 quando fui convidado por Sylvia Paes, para voltar a prestar serviços na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, escrevi o projeto Campos VeraCidade, que até hoje está engavetado, porque não há interesse na gestão pública da cidade, em fomentar um projeto de Arte Cultura, que reflita profundamente sobre a cidade, no que ela foi, o que ela é e o que ela pode ser. 

*

Leia mais no blog

Artur Gomes A Biografia de Um Poeta Absurdo

https://fulinaimargem.blogspot.com/

As fotos são de Nilson Siqueira

Artur Gomes

77 anos de vida

 52 de Poesia Viva

Dia 27 de agosto 20h

Carioca Bar –Rua Francisca Carvalho de Azevedo 17 - Parque São Caetano

Próximo ao Colégio Estadual João Pessoa – Campos dos Goytacazes-RJ

Dia 11 de outubro  18h

Casa AmarElinha – Itaipu – Niterói-RJ

 

1º de Abril

 

telefonaram-me

avisando-me que vinhas

 

na noite uma estrela

ainda brigava

           contra a escuridão

na rua

sob patas

tomavam homens indefesos

 

esperei-te 20 anos

até hoje não vieste à minha porta

 

- foi um puta golpe!

 

Artur Gomes

A Biografia de um poeta Absurdo

https://fulinaimargem.blogspot.com/

                Balbúrdia Poética

Artur Gomes in Pessoa

nesta segunda 11 de agosto 15:30h

no C. E. Nilo Peçanha -

Campos dos Goytacazes-RJ

 

Itabapoana Pedra Que Voa

 

dia desses sonhei com alquimia

ciência da transformação

na prova dos nove é alegria

o coração da pedra vira pássaro

e voa para outra dimensão

 

Artur Gomes

do livro Itabapoana Pedra Pássaro Poema - Litteralux 2025 

https://www.instagram.com/p/DNMMsUevmB7/

Dia 27 agosto – 20h

Carioca Bar – Rua Francisca Carvalho de Azevedo, 17 – Parque São Caetano – Campos dos Goytacazes-RJ

 

Goytacá Boy

 

musicado e cantado por Naiman

no CD fulinaíma sax blues poesia

2002

ando por São Paulo meio Araraquara

a pele índia do meu corpo

concha de sangue em tua veia

sangrada ao sol na carne clara

juntei meu goytacá teu guarani

tupy or not tupy

não foi a língua que ouvi

em tua boca caiçara

 

para falar para lamber para lembrar

da sua língua arco íris litoral

como colar de uiara

é que eu choro como a chuva curuminha

mineral da mais profunda

lágrima que mãe chorara

 

para roçar para provar para tocar

na sua pele urucum de carne e osso

a minha língua tara

sonha cumer do teu almoço

e ainda como um doido curuminha

a lamber o chão que restou da Guanabara

 

Artur Gomes

Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

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